Embora nem sempre o surgimento de sintomas represente o início de uma doença psíquica, as queixas e as mudanças de comportamento das crianças devem ser levadas a sério.
A adolescência e a infância são períodos de grandes mudanças físicas e psicológicas, em que o surgimento de um sintoma pode ser visto tanto como a expressão de uma transição normal como o indício do surgimento de uma psicopatologia. O que seria considerado problemático na vida adulta é plenamente aceitável na fase de desenvolvimento. Por exemplo, a instabilidade e as alterações rápidas de humor, típicas da adolescência, podem ser conotações diversas em outros momentos da vida.
Por isso, a avaliação e o diagnóstico na idade de crescimento sempre apresentaram grandes dificuldades. Do ponto de vista rigorosamente diagnóstico não é possível transferir os quadros clínicos e sintomas psicopatológicos dos adultos para a idade de crescimento – a não ser nos casos de patologias em estágio inicial que apresentam uma forte estabilidade ao longo do tempo, como os distúrbios de caráter autista. Alguns quadros observados em pessoas com mais de 20 anos simplesmente não parecem se apresentar nesta fase; outros são diagnosticados na infância e adolescência. É o caso da depressão infantil que pode se manifestar com uma forte irritação associada à expressão de um leque restrito de emoções.
Além disso, o significado psicopatológico de alguns sintomas clínicos varia e assume diferentes funções e sentidos ao longo do tempo. É por isso que com o passar dos anos assiste-se a uma descontinuidade da sintomatologia presente na idade de crescimento. Por outro lado, os quadros evolutivos manifestados por crianças podem apresentar uma linha de continuidade no âmbito dos processos psicopatológicos que os apoiam: neste caso, fala-se de “continuidade heterotópica” quando, apesar da diversidade das manifestações sintomáticas reveladas na infância e na idade adulta, é possível supor o mesmo processo patológico.
Um exemplo, são os distúrbios de ansiedade; um transtorno associado ao temos de ficar longe dos pais ou à fobia escolar pode, evoluir na idade adulta, para quadros como depressão, bipolaridade e distúrbios de personalidade. Daí a importância do diagnóstico ainda na infância que, nesta fase, em geral são mais difíceis de serem tratados.
Considerando diagnósticos específicos estreitamente ligados ao processo de crescimento, algumas manifestações aparecem apenas nessa fase e são próprias da interação de causas específicas que se reúnem para determinar um comportamento não condizente com a fase de desenvolvimento, como a impulsividade na adolescência. É possível concluir que existem aspectos da adaptação na idade de crescimento que podem parecer patológicos, mas na realidade são expressões da alternância dos processos nas várias fases do desenvolvimento saudável; um exemplo é a angústia em relação a uma pessoa estranha, expressa por bebês por volta do oitavo mês de vida. Trata-se de um fenômeno evolutivo normal, que indica a existência da capacidade de reconhecimento das figuras familiares. Manter essa reação na fase escolar e da adolescência, porém, seria problemático.
Para definir os caminhos que resultam na psicopatologia é fundamental considerar a influência tanto dos fatores de risco (que interferem na adaptação e aumentam a possibilidade de aparecimento do distúrbio ou doença) quanto dos de proteção (que promovem a adaptação e reduzem o impacto do estresse). Ambos podem ser próprios do indivíduo ou estar ligados ao contexto em que ele vive e intervir em vários momentos no decorrer do desenvolvimento. Para uma avaliação correta dos resultados de uma sintomatologia a longo prazo, esse aspecto torna indispensável que sejam consideradas as áreas de vulnerabilidade no que diz respeito à adaptação da pessoa –e não apenas seus sintomas.
Os aspectos mais relevantes da nova perspectiva introduzida pela psicopatologia do desenvolvimento são a consideração do ambiente social no qual a criança cresce e os aspectos evolutivos que caracterizam a expressão sintomatológica em cada faixa etária. A avaliação e o diagnóstico na infância devem considerar o fato de que, desde o nascimento, o bebê participa ativamente das relações sociais, marcadas por diferenças pessoais.
Por isso, o processo diagnóstico exige que, além de uma análise feita com base nas queixas, na história de vida do paciente e nos comportamentos manifestos, seja realizado um estudo profundo sobre o percurso do desenvolvimento, o funcionamento do sistema familiar, as características dos pais, os modelos de interação que influem na constituição e amadurecimento da criança. É preciso levar em conta também os aspectos ligados à afetividade, à linguagem, à cognição, às habilidades motoras e sensoriais.
Fonte: Revista mente e Cérebro, Ano XVII, Nº 213, Pg 50 – 53.
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